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psi1.gif (3050 bytes) globe4.gif (9321 bytes)Nline.gif (2767 bytes)barrabr.gif (6829 bytes)Psychiatry On-line Brazil - Current Issues (2) 09 1997

 

Notas Ocasionais no National Institute of Health:

Neuroendocrinologia do Estresse e da Depressão - Parte I

 

Paulo Jácomo Negro, Jr.

Visiting Associate Clinical Neuroendocrine Branch/NIMH/NIH- Fellow - American Psychoanalytical Association

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Vou escrever este mês sobre algumas idéias veiculadas em meu Branch, que como o próprio nome indica, aborda a neuroendocrinologia de distúrbios mentais, com ênfase em depressão. Estava planejando há um bom tempo, dedicar um dos meses do Notas Ocasionais ao tema, mas recentemente meu chefe, Dr. Philip W. Gold, apresentou uma visão geral de nossas linhas de pesquisa para consumo interno no Branch. Uso, portanto, sua apresentação como ponto de partida, mas vou omitir alguns aspectos até a publicação de seu último artigo de grande porte, provavelmente em janeiro de 1998 (até lá devo obedecer ao embargo de informações de acordo com orientação do jornal).

 

ball12.gif (1653 bytes) Um Comentário Ideológico

Boa parte das publicações em neuroendocrinologia e em psiquiatria biológica visa a compreensão dos mecanismos intrínsecos às doenças mentais. Por exemplo, inúmeros trabalhos abordaram a circuitaria de distúrbios diversos, como esquizofrenia, depressão, doença bipolar, distúrbio de estresse pós-traumático, dentre outros. Outros, estudaram neuromediadores no líquor, potenciais evocados, etc. Minha própria dissertação de mestrado abordou o uso de ressonância magnética em esquizofrenia e parte do meu trabalho no NIH é fazer os estudos de neuroimagem (PET, MRI e MRS) do Branch. Estudar a fisiopatologia das doenças mentais é interessante, desafiador, divertido. No momento, observa-se na literatura uma "radicalização" do processo, na qual os próprios fisiologistas cedem espaços à biologia molecular, em termos de publicações e recebimento de verbas de pesquisa.

Pois bem, considere agora um novo paradigma. Esqueça a fisiopatologia das doenças mentais enquanto foco principal de pesquisa, mas sim as conseqüências somáticas das mesmas. O meu Branch publicou o primeiro trabalho associando história de depressão a perda de massa óssea. Neste estudo de 24 deprimidas e 24 controles sadias pré-menopausa, o índice de massa óssea de osso trabecular (mais sensível a distúrbios metabólicos devido ao maior turnover) de pacientes de 40 anos eqüivaleu àquele observado em mulheres de 70 anos.

Depressão está associada a hipercortisolismo (especificamente depressão melancólica). Hipercortisolismo leva a diminuição de hormônio de crescimento (GH) via somatostatina. Há evidências de que depressão possa estar associada com hipertensão, dislipidemia, aterosclerose. Talvez depressão seja uma causa importante de envelhecimento precoce.

 

ball12.gif (1653 bytes) Por que Neuroendocrinologia?

Depressão vem acompanhada de sintomas neurovegetativos, como distúrbio de apetite (aumento ou diminuição), alterações do desejo sexual, amenorréia, variação diurna de sintomas, despertar precoce ou excesso de sono. Estes sintomas sugerem um disfunção hipotalâmica. Isto, em adição ao fato de que os hormônios estão facilmente disponíveis (basta colher o sangue periférico), foi motivo mais que suficiente para os pesquisadores se debruçarem sobre o eixo hipotálamo-hipofisário, cunhado como a "janela para o cérebro". Entretanto, os estudos da década de 70 que utilizaram hormônios pituitários como índice da atividade de aminas biogênicas tiveram fraco resultado em termos de compreensão da circuitaria (e endocrinologia) da depressão, mais complexa que os modelos da época. Exemplos incluem a mensuração de LHRH (hormônio de liberação do hormônio luteinizante) no plasma como índice de atividade noradrenérgica.

Por outro lado, o produto endocrinológico do estresse e da depressão afeta o organismo como um todo e é um alvo importante de pesquisa per se. Altos níveis de glucocorticóides têm impacto no cérebro e em outras regiões do corpo. Pesquisas recentes indicam diminuição do volume hipocampal em indivíduos com história de depressão, possivelmente devido à ação deletéria de glucocorticóides.

A depressão melancólica pode ser compreendida como um estado de hiperativação patológica, com marcante ansiedade organizada voltada para o próprio indivíduo em termos de sentimentos negativos, desesperança de gratificação futura, ruminação cognitiva. Tal estado é acompanhado de disfunção hipotalâmica e hiperativação do sistema simpático.

 

ball12.gif (1653 bytes) Estresse e (Des)Esquilíbrio

Considere as figuras 1 e 2:

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Forças Perturbadoras ®

Balanço, equilíbrio, Harmonia

Forças Restauradoras

(específicas e gerais)

= Estressores

= Homeostasis

= Resposta Adaptativa

 

 

Estes esquemas são extremamente simplificados, mas traduzem o valor adaptativo dos sistemas fisiológicos relacionados ao estresse. A resposta aguda ao estresse envolve a inibição de comportamentos neurovegetativos, tais como alimentação e comportamento sexual, freqüentemente observada em depressão. Estes comportamentos tornam-se não-adaptativos quando da ativação sustentada e patológica do sistema. Portanto, tão importante quanto estudar o que produz sua ativação, é estudar os mecanismos contra-regulatórios que limitam a reação ao estresse. De fato, esta é a origem teórica de se afirmar que a depressão melancólica seria um estado de medo organizado, possivelmente decorrente do descontrole de neurônios produtores de CRH (hormônio liberador de corticotropina). Não vou entrar na circuitaria da produção de CRH e na relação entre as diversas partes do sistema límbico e córtices (este será um dos tópicos da Parte II da Neuroendocrinologia do Estresse e da Depressão), mas apenas apontar que padrões patológicos de hiperatividade ou hipoatividade de neurônios produtores de CRH podem estar na base da fisiopatologia da doença. Mais ainda, deve ser ressaltado que a resposta ao estresse é estereotipada e desencadeada quando um limite fisiológico é ultrapassado (limite-dependente). Portanto, a importância de se focar na dinâmica do controle do sistema (e nos neurônios CRH) ou invés de na reação per se (exceto quando do estudo das conseqüências somáticas do estresse e da depressão); é possível que experiências adversas na infância, associadas ao desenvolvimento de depressão na idade adulta, imprimam sua marca no controle do sistema (de maneira semelhante ao observado em ratos, nos quais estressores cedo na vida deslocam o balanço do sistema) e prejudiquem a manutenção da homeostasia fisiológica e mental de indivíduos adultos. Da mesma forma, comportamentos tradicionalmente considerados ligados ao temperamento, como tendência à submissão, busca da novidade, inibição do comportamento em situações de perigo potencial, talvez também estejam ligados à regulação do sistema (e previamente modulados por experiências na infância). O estudo do abuso infantil ainda é embrionário sob este ponto de vista, entretanto.

 

ball12.gif (1653 bytes) O Eixo Hipotalâmico-Pituitário-Adrenal (HPA)

Teorias destinadas a explicar a regulação da secreção de ACTH devem considerar aspectos importantes do eixo pituitário-adrenal (figura 3).

 

Figura 3. Resumo do eixo HPA

 

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A retroalimentação dos glucocorticóides é dirigida primariamente à pituitária e aos neurônios hipotalâmicos produtores de CRH e AVP (vasopressina). Em ambos os lugares a ação dos glucocorticóides parece ser mediada pelo efeito em seqüências genéticas específicas. Na pituitária, os glucocorticóides inibem a síntese de mRNA POMC (pro-opiomelanocortina; a molécula precursora de ACTH que também inclui seqüências para outros peptídeos), e no hipotálamo de mRNAs para ambos CRH e AVP. Tanto receptores de tipo I (mineralocorticóide) e de tipo II (glucocorticóide) podem mediar a retroalimentação negativa. Receptores de glucocorticóides podem ser encontrados em diversos lugares do cérebro (além do hipotálamo e pituitária), como hipocampo septum e amígdala. Os receptores hipocampais de glucocorticóides determinam o set point da retroalimentação do cortisol (e o balanço entre receptores tipo I e II é crucial para o atividade hipocampal). De fato, embora muitos esteróides encontrados no cérebro sejam derivados da circulação, alguns esteróides são produzidos endogenamente no cérebro. Estes esteróides são chamados de neuroesteróides e incluem o estradiol, pregnenolona, dehidroepiandrosterona; muitos neuroesteróides estão localizados na oligodendroglia e alguns em neurônios; seu papel no cérebro ainda é pouco conhecido. Observe que, a despeito do aumento da secreção de cortisol devido a estresse, o seu papel é contra regulatório e a diminuição patológica de sua produção ocasiona sérias conseqüências devido à falta de oposição à ativação do sistema.

 

AVP e norepinefrina são sinergísticos com o CRH na regulação da resposta ao estresse e neurônios produtores de CRH também podem conter AVP. Neurônios CRH são regulados por diversas partes do cérebro (uma melhor descrição da anatomia será feita em outra oportunidade), inclusive pela amígdala, hipocampo, locus coeruleus, núcleos da rafe. A influência neuroanatômica é codificada por neuromediadores: acetilcolina, serotonina, noradrenalina, GABA. Em presença de altos níveis de CRH, alta concentração de cortisol é necessária para inibir a produção de ACTH; quando a secreção de CRH é baixa (como no final da tarde ou em presença de lesões hipotalâmicas), o mecanismo cérebro-pituitária é altamente suscetível a supressão por esteróides. O cérebro determina o set point do sistema. Entretanto, altos níveis de CRH podem quebrar a retroalimentação negativa do cortisol em casos de estresse extremo. ACTH também exerce retroalimentação negativa sobre sua própria secreção e vias endorfinérgicas ajudam a regular a produção de ACTH. A administração aguda de morfina estimula a liberação de ACTH enquanto que seu uso crônico bloqueia a liberação da susbstância. Finalmente, CRH inibe a secreção de gonadotrofina e produz desta forma o típico padrão comportamental de resposta ao estresse. Ainda é pouco conhecido o papel da depressão (e estresse) como possível causa de distúrbio gonadotrófico sutil em mulheres inférteis.

 

ball12.gif (1653 bytes) Doença de Cushing e Depressão Melancólica

Os sinais e sintomas da síndrome de Cushing são resultado da exposição crônica a altos níveis de cortisol. Estes incluem ganho de peso, obesidade centrípeta, face em lua, estrias violáceas, miopatia, e distúrbios psiquiátricos. Embora casos típicos sejam de fácil diagnóstico, casos mais sutis podem ser de difícil identificação, como obesidade e retardo de crescimento em crianças e adolescentes; ganho de peso, friabilidade da pele e dificuldade de cicatrização, irregularidades menstruais e depressão em mulheres. Alterações de pele incluem diminuição da espessura da epiderme, estrias purpúricas de mais de 1cm de largura; acne, hirsutismo, infecções fungais e perda de cabelo podem estar presente. Outros distúrbios potencialmente sérios incluem osteoporose (que pode regredir com a cura da doença), resistência a insulina (intolerância a glicose em 75% e diabetes mellitus em 8-10% dos pacientes), hipercalciúria (e cálculos renais), e hipertensão. Pacientes com carcinoma de células pequenas do pulmão podem se apresentar com uma forma fulminante de Cushing devido à produção ectópica de ACTH, caracterizada por perda de peso (devido a miopatia severa), diabetes, alcalose hipocalêmica (devido aos efeitos mineralocorticóides de altas doses de cortisol).

O diagnóstico de doença de Cushing é feito quando a causa da síndrome de Cushing é um adenoma da pituitária. Em geral a síndrome de Cushing é dividida entre dependente de ACTH (incluindo doença de Cushing) e independente de ACTH. Distúrbios neuropsiquiátricos são extremamente comuns na síndrome de Cushing. Em contrapartida, em casos de depressão melancólica hiperatividade do eixo HPA pode ser evidenciada. De fato, o termo pseudo-Cushing foi utilizado para casos de depressão (e outros distúrbios, como alcoolismo) que se apresentam como diagnóstico diferencial da doença de Cushing.

Várias linhas de evidência indicam que o hipercortisolismo observado em depressão reflete um distúrbio hipotalâmico ou acima do hipotálamo (com a presença de hipersecreção de CRH). Estes estudos indicam que as células corticotróficas da pituitária em depressão são apropriadamente restritas pelo hipercortisolismo basal (e mostram resposta apropriada à retroalimentação negativa dos glucocorticóides); também indicam que as respostas do cortisol plasmático a pequenas quantidades de ACTH liberadas durante estimulação com CRH são exageradas, o que sugere que o córtex adrenal se tornou hiperresponsivo a ACTH (um fenômeno freqüente em hipercortisolismo mediado centralmente). Pacientes deprimidos produzem uma resposta achatada de ACTH quando recebem oCRH, o que é considerado secundário a restrição das células corticotrópicas da pituitária pelo hipercortisolismo basal e pela possível dessensibilização dos receptores de CRH na pituitária devido ao aumento de CRH na circulação portal. Estes dados indicam que o hipercortisolismo na depressão não é apenas uma resposta não-específca ao estresse, mas traduzem um distúrbio específico (e talvez crucial) da patofisiologia da doença.

A despeito do hipercortisolismo, pacientes deprimidos mostram níveis basais de ACTH numericamente normais. Estes níveis provavelmente refletem uma hiperresponsividade adrenal ao ACTH (e portanto necessidade de menos ACTH para manter a produção excessiva de cortisol que em uma pessoa eucortisolêmica). A pituitária, a despeito de restrita pelo nível aumentado de cortisol, mantém um nível numericamente normal de ACTH (embora relativamente aumentado em termos da fisiologia do sistema) capaz de promover secreção excessiva de cortisol das adrenais hiperplásicas. O fato de células corticotrópicas da pituitária manterem preservada a resposta ao cortisol pode contribuir à amplitude normal do ACTH nesta população e ser responsável pelos níveis basais normais de cortisol em diversos pacientes com depressão melancólica (daí a importância de estudos longitudinais que abordem a pulsatilidade do sistema; o aumento inicial da secreção de ACTH devido um distúrbio central é seguido de aumento na produção de cortisol que por sua vez restringe a produção de ACTH na pituitária; a diminuição da produção de ACTH abre acesso à ação da hiperprodução central de CRH novamente; a presença do ciclo pode ser o motivo pelo qual pacientes com depressão não apresentam os sintomas típicos da síndrome de Cushing). Dificuldades na interpretação destes resultados provém da heterogeneidade da doença; é possível que depressão atípica (com reversão dos sintomas neurovegetativos) se apresente com diminuição dos níveis de cortisol e um padrão de atividade do eixo HPA distinto.

 

ball12.gif (1653 bytes) As Conseqüências Somáticas da Depressão

A despeito da ausência de sintomas típicos da síndrome de Cushing, é muito provável que depressão seja causa de complicações somáticas devido a suas anormalidades neuroendócrinas. Este conceito ainda é novo na literatura, mas deverá trazer enormes conseqüências em termos de como a sociedade encara a depressão, em termos de utilização de recursos de saúde e de oportunidades para a psiquiatria enquanto especialidade médica.

Conforme descrevi acima, existe uma correlação entre depressão e perda de massa óssea, principalmente de osso trabecular (devido a sua maior atividade metabólica). Considerando a freqüência de história de depressão, principalmente em mulheres (particularmente vulneráveis a perda de massa óssea), a compreensão da fisiopatologia óssea envolvida no processo (o grau de hipercortisolemia observado explica apenas parte da perda de massa óssea) e o desenvolvimento de protocolos de tratamento são fundamentais para a saúde da população.

Relativamente poucos estudos foram realizados na área, mas é evidente que este será um dos grandes focos de pesquisa em psiquiatria e endocrinologia no próximo século. A necessidade de psiquiatras obterem uma melhor formação em clínica geral também é crucial, pois nosso papel enquanto especialidade médica deverá incluir não apenas a avaliação e tratamento dos sintomas psicológicos das doenças mentais, mas intervenções precoces em suas conseqüências somáticas.

Para Ler:

Gold PW, Wong M-L, Chrousos GP, Licinio J. Stress system abnormalities in melancholic and atypical depression: molecular, pathophysiological, and therapeutic implications. Molecular Psychiatry (1996) 1, 257-264. (time de primeira linha, entrando em mais detalhes a respeito do exposto aqui; em adição à apresentação de Gold, usei o artigo como base do meu texto -observe que o exposto nesta Notas Ocasionais reflete não apenas o publicado em literatura, mas a ideologia subjacente a nossas pesquisas no Branch)

Wilson JD, Foster DW. Williams Textbook of Endocrinology, 8th edition, Wb Saunders, Philadelphia, 1992. (excelente livro texto de endocrinologia, observe as discussões sobre síndrome e doença de Cushing, sua avaliação e tratamento)

 

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mail14.gif (2967 bytes) Denise Razzouk e Giovanni Torello

Data da última modificação:23/08/00

http://www.priory.com/psych/deprepj.htm