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psi1.gif (3050 bytes) globe4.gif (9321 bytes)Nline.gif (2767 bytes)barrabr.gif (6829 bytes)Psychiatry On-line Brazil - Current Issues (2) 03 1997

 

Relação Profissional - Paciente:

Subsídios para Profissionais de Saúde

Maria Cezira Fantini Nogueira Martins*

* Psicóloga. Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo.

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Introdução

Há, hoje em dia, um crescente empenho dos profissionais e instituições da área da saúde em aperfeiçoar a qualidade dos serviços médicos prestados aos usuários. Gradativamente houve a incorporação, no campo da assistência à saúde, de noções vinculadas à cidadania, aos direitos do consumidor e à responsabilidade ética dos profissionais.

A qualidade de um serviço assistencial está diretamente associada à qualidade da relação interpessoal que ocorre entre os pacientes e os profissionais encarregados da assistência.

Este trabalho, ao analisar os aspectos psicológicos envolvidos nessa relação, visa contribuir para o aprimoramento da assistência à saúde, apresentando aos profissionais da área alguns elementos para reflexão sobre a natureza da relação profissional-paciente, bem como indicando a importância da incorporação desses elementos no treinamento de estudantes das profissões de saúde (medicina, enfermagem, fonoaudiologia, serviço social, terapia ocupacional, nutrição, ortóptica e outros).

 

Os primeiros atendimentos profissionais

Os primeiros atendimentos profissionais se dão numa época de transição entre o papel de aluno e o papel profissional e estão associados ao rito de passagem entre esses dois papéis. Os ritos de passagem (ou rituais de transição) traduzem entradas e saídas, o que vale dizer, simbolicamente, morte e renascimento; as ansiedades que surgem nesse processo são a ansiedade pela perda da situação já conhecida e o medo da situação nova e desconhecida (HOIRISH, 1976).

O estudante, quando vê seus primeiros pacientes, é geralmente uma pessoa jovem cuja experiência de vida é, comparativamente, limitada; embora tenha se adaptado à idéia de que vai se tornar um profissional, ele ainda não tem experiência do trabalho prático nem uma identidade profissional pronta; os primeiros encontros com pacientes acham-se geralmente associados com incertezas e ansiedades (TAHKA, 1988). Um dos sentimentos que o principiante vivência é a culpa por saber que o paciente lhe atribuirá autoridade em virtude do papel que desempenha (SALZBERGER-WITTENBERG, 1970); além disso, ele tem dúvidas quanto a sua capacidade de:

Ele se preocupa também com a possibilidade de:

Nenhuma dessas ansiedades pode ser menosprezada; o fato de que sejam experimentadas mostra que o aluno está em contato com seus sentimentos e trata de enfrentá-los. A supervisão é essencial, não para suprimir tais ansiedades, senão para verificar se os problemas pessoais do iniciante interferem ou não no processo, distorcendo-o.

Dependendo da dinâmica interna do grupo de estudantes, pode tornar-se fundamental à auto-estima do aluno que ele mantenha a imagem de que pode manejar todas as situações novas sem dificuldade ou incerteza. Para a futura prática satisfatória de sua profissão, é extremamente importante, neste estágio, que o estudante tenha oportunidade de uma troca aberta de idéias, tanto com os colegas quanto com os professores, sobre os problemas associados com seus primeiros pacientes. De outra maneira, o estudante pode tender a ocultar sua ansiedade e incerteza mediante diversas atitudes defensivas; estas podem interferir permanentemente na sua capacidade de interagir satisfatoriamente com os pacientes e, possivelmente, fornecer a base para o desenvolvimento de um maneirismo defensivo (PERESTRELLO, 1988).

 

Modelos de relação profissional-paciente

As diferentes possibilidades da relação profissional-paciente podem ser objetivadas através de modelos, tomando como base o tipo de doença, sua fase de evolução e as correspondentes condições psicológicas do paciente. SCHNEIDER (1974), em revisão a respeito desses modelos de relação profissional-paciente, descreve três deles, ressaltando que constituem três ângulos diferentes do mesmo fenômeno:

O modelo que enfoca o grau de atividade-passividade distingue três tipos básicos de relação:

No primeiro tipo de relação há atividade do profissional e passividade do paciente. É o tipo de relação que se encontra nas urgências, estados de coma e cirurgias, em que o profissional deve fazer algo por um paciente que permanece passivo. O protótipo é o da relação mãe-lactente, isto é, a atividade obrigatória da mãe frente a um estado de passividade e de dependência do lactente.

No segundo tipo de relação, há direção pelo profissional e cooperação do paciente. Em todas as afecções em que o paciente é capaz de fazer algo, o profissional lhe pede esta cooperação (enfermidade aguda, infecciosa, acidentes). O protótipo genético corresponde a uma fase do desenvolvimento posterior à do lactante: a fase que vai da infância até a adolescência. Da criança se espera que obedeça e dos pais, que sejam capazes de dirigi-la de uma maneira racional e afetivamente equilibrada.

No terceiro tipo de relação, há participação mútua e recíproca do profissional e do paciente. Este tipo de relação é típico das enfermidades crônicas, das readaptações e de todos os estados em que o paciente pode cuidar de si e assumir o tratamento. O protótipo é o tipo de relação que existe entre dois adultos que chegaram a certo grau de maturidade.

Nenhum desses três tipos de relação é melhor que o outro; simplesmente correspondem a situações dadas e caracterizam pacientes que se encontram em contextos psicológicos distintos.

O modelo que enfoca a distância psicológica (que existe entre duas pessoas e que se modifica no decorrer do tratamento) distingue três fases na relação que se estabelece entre profissional e paciente:

Na fase de apelo humano (A) o profissional responde à demanda do enfermo, satisfazendo suas necessidades. Não o frustra. Ao aproximar-se, ainda não o considera como objeto de estudo.

Na fase de afastamento ou de objetivação (B), que corresponde a do exame chamado científico, o profissional já não considera o enfermo como uma pessoa, senão como um objeto de estudo; as relações afetivas passam ao segundo plano.

Uma vez estabelecidos o diagnóstico e o plano terapêutico, tem início a fase de personalização (C), quando o profissional pode aproximar-se de seu paciente e considerá-lo não só como um caso, mas como uma pessoa que sofre, com uma enfermidade determinada, havendo então a integração dos elementos das fases (A) e (B), isto é, dos aspectos científicos e humanos.

O estancamento do profissional na fase de distanciamento ou objetivação constitui o núcleo da denominada caracteropatia profissional (frieza afetiva no trato com os pacientes, negação da própria fragilidade, ausência de atividades pessoais de lazer) (NOTO, 1984). Outros mecanismos que podem surgir são: a construção de uma couraça impermeável às emoções e sentimentos, afastamento emocional, evitação de refletir sobre as limitações do exercício profissional (NOGUEIRA-MARTINS, L.A., 1991).

O modelo que enfoca o grau de contato pessoal aborda dois esquemas de relação:

No campo da Saúde, há a utilização desses dois esquemas referenciais (relação interpessoal - prestação de serviço). O especialista, por um lado, isola o objeto (o corpo, a parte do corpo, o sintoma) e trata de repará-lo; por outro lado, interage com uma pessoa, que está indissoluvelmente ligada ao objeto.

 

Transferência e contra-transferência

BALINT (1988), em sua obra, deu ênfase à "aliança terapêutica" que deve existir no vínculo profissional-paciente, como propulsora de um bom atendimento. Conforme o autor, a técnica, por mais aprimorada que seja, tenderá a ser ou inócua ou alienante, se não for veiculada por uma boa relação profissional-paciente. Para que haja essa boa relação, é necessária atenção aos elementos que a compõem.

A relação profissional-paciente contem elementos ao mesmo tempo racionais e irracionais, realísticos e irrealísticos, maduros e infantis, conscientes e inconscientes.

Transferência é o processo pelo qual são trazidos para o relacionamento atual sentimentos e conflitos originários de relacionamentos com pessoas importantes no início da vida. Esse fenômeno pode resultar em ligações afetivas intensas, irracionais, que não podem ser explicadas com base em situações da vida atual (MARMOR, 1981).

Na maioria dos pacientes, as atitudes transferenciais são, predominantemente, positivas, e contêm o tipo de expectativas e sentimentos que foram um dia dirigidos para pais bons, que eram, ao mesmo tempo, sentidos e percebidos como a principal fonte de força e segurança. Os pacientes têm uma tendência a investirem o profissional de saúde com propriedades poderosas e onipotentes, semelhantes às que as crianças acham que os pais possuem, quando ainda responsáveis por elas e por seu cuidado. O paciente sente-se pequeno, desamparado e à mercê do profissional; a crença no poder do profissional permite-lhe sentir-se seguro na situação de perigo. Dentro de limites razoáveis, a transferência positiva, embora envolva expectativas irrealistas, constitui um dos ingredientes do relacionamento profissional-paciente que tem um efeito em grande parte benéfico sobre o exame, a terapia e a cura. Em alguns casos, porém, o estresse advindo da doença é somado à regressão, produzindo uma situação em que os sentimentos e expectativas da transferência, dirigidos para o profissional, assumem formas de expressão regressivas e geralmente tempestuosas. Elas podem fazer submergir complemente, na mente do paciente, o aspecto realista e adulto do relacionamento médico-paciente. Típicos desse tipo de transferência são aqueles pacientes que se tornam excessivamente dependentes e apegados (TAHKA, 1988).

Os sentimentos transferenciais do paciente para com o profissional também podem ser negativos. Neste caso, a atitude do paciente se tinge de algum matiz da escala negativa de sentimentos, tais como a desconfiança, a inveja, o desprezo, a irritação ou até mesmo a ira ou a raiva abertas. A transferência negativa do paciente pode então apresentar-se sob a forma de reserva geral, escassez de informações ou pouca disposição de cooperar durante o exame e o tratamento. Ela também se pode expressar através de sintomas que se tornam acentuados e mais sérios após o paciente haver começado o tratamento, ou mediante complicações inesperadas e atraso na recuperação.

A contra-transferência designa os movimentos afetivos do profissional como reação aos de seu paciente e em relação à sua própria vivência infantil. A contra-transferência pode também ser positiva ou negativa e depende de inúmeros fatores, advindos tanto do paciente (idade, sexo, situação social, apresentação e comportamento) como do próprio profissional (estado de cansaço, irritação, situação conjugal, social e de trabalho) (JEAMMET et al, 1989).

A contra-transferência, quando negativa, pode se manifestar por atitudes que ocultam rejeição ou agressividade inconsciente, como por exemplo:

A relação profissional-paciente é uma relação de expectativas e esperanças mútuas; o doente espera alívio e, se possível, cura; o terapeuta espera reconhecimento de seu paciente, verificação de seu poder de reparação ou da adequação de seus pontos de vista. A expectativa pode ser de tal ordem, em cada um, que há o risco de as relações de troca serem transformadas em relações de força (JEAMMET et al, 1989).

 

A atitude para com o paciente

O primeiro contato do profissional com o paciente ocorre, na maioria dos casos, quando este está sob o efeito de determinada tensão ou crise aguda. Por conseguinte, é provável que suas ansiedades se intensifiquem e pareça estar mais perturbado ou na defensiva do que em outros momentos. Se o profissional pode conter o excesso de ansiedade que o paciente não pode enfrentar nesse momento (MENZIES, 1970), proporcionará alívio e dará oportunidade a que surjam os aspectos mais maduros do paciente e a que este recobre a capacidade (diferente para cada indivíduo) de compreender, elaborar e finalmente integrar a situação dolorosa. Além da receptividade, pode haver um segundo fator relacionado com esta capacidade e que se soma a ela. Trata-se da capacidade dos pais, não só de cuidar de seu filho e preocupar-se com ele, senão de pensar, clarificar, diferenciar, nomear um sentimento vago e dar-lhe significado. Esta função equivale a uma espécie de digestão mental que transforma a angústia insuportável em algo mais definido, determinando deste modo que não seja sentida de forma tão perigosa (TAHKA, 1988).

Todas as atitudes do profissional repercutem sobre o paciente e terão significado terapêutico ou antiterapêutico segundo as vivências que despertarão no paciente e nele, profissional. A "psicoterapia implícita" que existe no relacionamento profissional-paciente são as atitudes do profissional no seu relacionamento com o doente, dirigidas a um fim terapêutico, qualquer que seja a natureza das medidas de ordem técnica (PERESTRELLO, 1982).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALINT, M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro/São Paulo, Livraria Atheneu, 1988.

HOIRISH, A. - O problema da identidade médica. Rio de Janeiro, 1976 [Tese de Professor Titular de Psicologia Médica - Faculdade de Medicina da UFRJ]

JEAMMET, P; REYNAUD, & CONSOLI, S. Manual de Psicologia Médica. São Paulo, Editora Durban, 1989

MARMOR, J. - O médico como psicoterapeuta. In: USDIN, G. & LEWIS, J.M. - Psiquiatria na prática médica. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1981

MENZIES, I. - The functioning of organizations as social systems of defence against anxietie. Londres, Tavistock Institute of Human Relations, 1970. Tradução e adaptação de Arakcy Martins Rodrigues para a Fundação Getúlio Vargas. (mimeo)

NOGUEIRA-MARTINS, L.A. (1991)- Atividade Médica: fatores de risco para a saúde mental do médico. Rev. Bra. Clín. Terap. 20:355-364.

NOTO, J.R.S.(1984) - A emergência da caracteropatia profissional em estudantes do quinto ano médico. Boletim de Psiquiatria. 17 (3): 101-107.

PERESTRELLO, D. A medicina da pessoa. Rio de Janeiro / São Paulo, Livraria Atheneu, 1982.

SALZBERGER-WITTENBERG, I. La relación asistencial. Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1970.

SCHNEIDER, P.B. Psicologia aplicada a la practica médica. Buenos Aires, Editorial Paidos, 1974.

TAHKA, V. - O relacionamento médico-paciente. Porto Alegre, Artes Médicas, 1988.

 

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Denise Razzouk e Giovanni Torello

Data da última modificação:23/08/00

http://www.priory.com/psych/cezira.htm